Começar um negócio com um amigo – ou um cônjuge – pode ser uma excelente ideia. Há confiança, provavelmente partilham o mesmo espírito empreendedor e os mesmos valores. No entanto, esta ‘viagem’ conjunta tanto pode correr lindamente como terminar em tragédia. E se iniciar e manter um negócio já não é, à partida, uma tarefa fácil, quando algo corre mal existe o sério risco de os danos não serem apenas financeiros, mas colocarem também em causa importantes relações.
Há que ter consciência dos riscos, atuando no sentido de os tentar prevenir ou antecipar. E importa adotar medidas que minimizem a probabilidade de ocorrerem dissabores de maior e que promovam um futuro auspicioso. Sem, com isso, perder a motivação para arriscar.
Começar um negócio com alguém vai alterar necessariamente a dinâmica do relacionamento – quer este seja de amizade ou amoroso – e um dos grandes desafios será sempre o de impedir que quaisquer problemas pessoais entre ambos, sobretudo se estivermos a falar de um casal, contagie o resto. Trabalhar a gestão emocional para que a componente profissional não seja contaminada vai ser crucial.
Por mais que pareça evidente, convém também lembrar, antes de se decidir avançar, que um excelente parceiro na vida pessoal não garante uma boa aliança profissional. A compatibilidade num campo não é necessariamente sinal de compatibilidade no outro. Pode não ser fácil, mas é preciso analisar friamente quais as características e competências do nosso amigo ou cônjuge que constituem uma mais-valia a nível profissional, fazendo deles um bom parceiro de negócios.
Por outro lado, os valores que nos regem na vida pessoal podem muito bem não ser os mesmos que nos guiam no trabalho. Como adultos que somos, sabemos bem que o mundo não se pode ver a preto e branco e que as pessoas não se ‘arrumam’ entre as que são boas e as que são más. O mundo é feito de nuances, incoerências e pessoas que podem quase transformar-se consoante o contexto em que se encontram.
Pesados os prós e os contras, e uma vez tomada a decisão de avançar, há alguns aspetos a ter em consideração.
Proximidades à parte, negócio é negócio e aqui não é diferente. Ter um guião onde está claro qual é o ponto de partida e para onde se quer ir é indispensável.
Numa parceria em que o risco de conflitos de interesse é grande, desenhar um plano de negócios é ainda mais importante. Este vai permitir confirmar se ambos estão sintonizados e alinhados no que se pretende fazer, tirando margem para desencontros e mal-entendidos. De resto, é importante que fique no papel o nível de compromisso e disponibilidade que os parceiros esperam um do outro. Ou seja, definidos que estejam os objetivos de curto e longo prazo, explicitar quanto é que cada um terá de contribuir – e de que forma – para estas metas comuns. Ao contrário do que acontece quando se trabalha por conta de outrem, fazê-lo por conta própria implica outro grau de dedicaçãoe são muitas as parcerias que correm mal por existir um desequilíbrio entre o nível de empenho de cada parceiro.
É, de resto, frequente que, nestes casos, se recorra a uma terceira parte, seja ela um outro sócio ou um jurista que funcione como mediador em todo o processo. Por mais confiança e cumplicidade que exista, previne-se o dia de amanhã. Ao colocar-se tudo por escrito, está também a ser criada uma estrutura de suporte a que recorrer e um fio condutor para o projeto que se vai levar avante, que compromete de forma muito mais sólida as partes.
No plano de negócios, deve ainda ficar estabelecido o que fazer – e como – caso as coisas não corram bem. Quer seja porque o negócio não vingou ou porque se decide pôr fim à parceria, faz toda a diferença que os direitos e garantias de cada um estejam salvaguardados. Se, mesmo quando as coisas correm bem, podem existir desentendimentos entre parceiros de negócio que o são também na vida pessoal, pior ainda se ocorre um fracasso. E reduz-se a probabilidade de danos colaterais, como seja um falhanço profissional levar a que também um relacionamento pessoal – de amor ou amizade – chegue ao fim. Como diz quem já passou por isso, o rompimento de uma parceria profissional pode ser tão ou mais devastador do que um divórcio conjugal.
Ainda no mesmo sentido, outro ingrediente crucial é o estabelecimento claro do papel e função de cada um e dos respetivos pelouros. Os cargos e tarefas devem estar bem definidos desde o primeiro momento. Tal evitará atropelos, mal-entendidos e disputas de poder.
À semelhança do que acontece nas relações pessoais, a comunicação é fundamental. Esta deve ser frequente, fluída, honesta e clara, sem pressupor que, pela proximidade pessoal, não é necessário ter grandes cuidados. Tal como na nossa vida pessoal, também no trabalho todos ganham com o respeito mútuo, a confiança e bons canais de comunicação. Dito isto, o tipo de interação no trabalho deverá procurar ter uma tónica mais formal e profissional, sobretudo se existirem outros colaboradores envolvidos. No fundo, a diferença de comportamento e tratamento ajuda a traçar uma linha entre os dois mundos em que os parceiros se cruzam.
Tal implica também, sempre que possível, dissociar os dois mundos, encontrando espaço para os momentos em que são apenas dois bons amigos ou companheiros de vida. Deixar que o trabalho e a vida pessoal se misturem em demasia é meio caminho andado para o caos. Como em tudo, estabelecer limites e fronteiras é muito saudável.
Feitas as devidas ressalvas, ter um negócio com alguém próximo não é de todo uma impossibilidade. Aliás, todos conhecemos casos mais ou menos mediáticos de parcerias entre amigos ou família que deram certo. Se o projeto conjunto correr de feição, pode ser muito gratificante partilhar o sucesso com alguém que é importante na nossa vida.
O que importa é conhecer os riscos, tomar as medidas preventivas necessárias e, como qualquer empreendedor que se preze, ter uma boa dose de determinação e coragem. Se o valor e a qualidade estiverem presentes, não há porque um negócio não vingar.