Um orçamento é um instrumento de gestão e, como tal, deve refletir, em termos numéricos, os objetivos de uma administração para um dado período. No caso do Orçamento de Estado, apresentado pelo Governo à Assembleia da República, é mais do que um exercício de gestão, é uma negociação política que pode trazer dificuldades acrescidas na gestão corrente, quando as inúmeras alterações aprovadas ao diploma apresentado não sejam acompanhadas com a devida cabimentação de receita e despesa.
Através da análise dos grandes números da receita prevista para o Orçamento de Estado de 2021*, parece haver uma alteração de paradigma, que é, há muito tempo, uma necessidade para o País, a receita corrente cresce para cerca de 42% do total da receita , em detrimento de receita de capital, diga-se empréstimos, e , por outro lado, os impostos representam apenas 50% da receita corrente.
Contudo, através de uma análise mais aprofundada, verifica-se que ainda não é desta vez que vamos resolver o problema estrutural.
Na verdade, estas alterações relativas devem-se a 4 grandes fatores:
Se retirarmos estes efeitos, sobretudo os relacionados com os apoios financeiros da EU, e relativos à pandemia provocada pela COVID-19, mantemos tudo semelhante aos anos anteriores, isto é: Peso muito relevante dos empréstimos, para o total de receita, e dos impostos no total da receita corrente.
Peso dos impostos
Os impostos representam, em regra, mais de 90% do total da receita corrente do Estado. Esta é uma das principais razões para tantas alterações aos Códigos Tributários, tentando suprir ausência de outras receitas com alterações ficais. Por isso também, as empresas e os contabilistas enfrentam alterações sistemáticas do quadro tributário, cuja falta de estabilidade provoca, necessariamente, falta de confiança por parte dos investidores e grande necessidade de tempo para acompanhamento dessas alterações, por parte dos contabilistas.
Do total dos impostos arrecadados, cerca de 80%, diz respeito a 3 impostos: IVA, IRS e IRC, por esta ordem
Estes impostos são, por isso, fundamentais para a sobrevivência do Estado português. O fluxo de recebimentos é vital. Talvez por isso se tenha assistido a um adiamento, a conta gotas, dos prazos de pagamento destes impostos, com despachos sucessivos de pequenas alterações nas datas de entrega das declarações e pagamento destes impostos, e o recuo surpreendente nas facilidades para o reembolso dos pagamentos especiais por conta e na dispensa dos pagamentos por conta.
Desmaterialização e custos de contexto
Por outro lado, o Estado tem vindo a transferir sistematicamente, pelo menos desde 2007, com a criação da IES**, custos de contexto na produção de informação para necessidades, quase exclusivamente, fiscais.
Desde então que as empresas e os contabilistas têm suportado custos com a implementação de sistema informáticos, hardware e software, bem como na alteração de procedimentos e práticas, e ainda com a necessária formação. Em princípio, tratava-se de um investimento, com retorno resultante de menos tempo usado para cumprir formalidades. De fato isso não aconteceu. Com a desmaterialização surgiram novas obrigações declarativas, novas formas de validação de informação, novas exigências para recolha e tratamento de informação, com custos exclusivos das empresas e dos contabilistas.
Nestes quase 14 anos de desmaterialização crescente, não existiram apoios financeiros específicos, benefícios fiscais ou qualquer outra forma relevante de apoio a contabilistas e empresas. É, pois, com surpresa, que vemos vertido neste Orçamento, duas formas de benefícios fiscal:
Atenção que, nos casos em que as despesas sejam relativas a bens sujeitos a deperecimento, os benefícios fiscais são aplicáveis aos gastos contabilizados relativos a amortizações e depreciações durante a vida útil do ativo e somente é aplicável às despesas incorridas a partir de 1 de janeiro de 2020 até ao final de cada um dos períodos previstos de implementação.
Caso o sujeito passivo não conclua a implementação do SAF -T, relativo à contabilidade, do código QR ou do ATCUD até ao final dos respetivos períodos, as majorações indevidamente consideradas em períodos de tributação anteriores devem ser acrescidas na determinação do lucro tributável do período de tributação em que se verificou esse incumprimento, adicionadas de 5 % calculado sobre o correspondente montante.
Não deixa de ser também de destacar que talvez o fato das empresas e dos contabilistas terem reagido negativamente ao envio do SAF-T da contabilidade, possa ter contribuído para a aprovação deste “estímulo”.
De notar também que, quem se preparou em 2019, fazendo este tipo de investimentos, não se encontra abrangido pela medida.
Medidas possíveis para auxílio à economia
O orçamento poderia incluir medidas mais estimulantes para as empresas, sobretudo quando o problema atual, que se arrasta há vários anos nas empresas, tem a ver com o desequilíbrio estrutural de capital, com capitais próprios muito baixos, ou até negativos, o que impede as empresas de acederam a certos benefícios, e a falta de tesouraria corrente, bem como estimular a concorrência leal no mercado.
Tais medidas poderiam ser concretizadas através das seguintes 5 ações:
Apoio aos contabilistas
Os contabilistas são parceiros da administração planeada, medem os resultados das decisões, ajudam no controlo das atividades e aconselham para o futuro.
Aos contabilistas deve ser dado tempo e condições para poderem auxiliar as organizações (empresas, organismos sem finalidades lucrativas e setor público) nas suas atividades de planeamento, aplicação de normas e mensuração dos fatos, controlo das atividades e produção de informação que permita avaliar o passado e prever o futuro.
Para terem tempo, os contabilistas devem ser aliviados da sobrecarga fiscal que os impede de realizarem as suas originais funções.
Também para os contabilistas o Orçamento poderia ter contemplado medidas objetivas, tais como:
* Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro
** Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de janeiro
*** Artigo 404.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprova o OE para 2021